http://universofantastico.wordpress.com/2010/01/19/xochiquetzal-uma-princesa-asteca-entre-os-incas/ |
Antes de falar com os reis da Espanha, Colombo foi ao rei de Portugal propor seu plano de chegar às Índias pelo Ocidente. Que aconteceria se o convencesse? O romance Xochiquetzal: uma princesa asteca entre os incas, de Gerson Lodi-Ribeiro (Editora Draco, 144 págs., R$ 28,90) responde com uma aventura narrada por uma princesa asteca levada a Lisboa para ser educada como cristã e casada com um nobre português – a saber, Vasco da Gama.
Xochiquetzal da Gama delicia-se em misturar xocolatl com vinho da Madeira enquanto acompanha o marido em um ataque punitivo a Calicute. Teria sido o ponto culminante dos Lusíadas de Camões na nossa realidade, mas neste romance é apenas um incidente a caminho de uma aventura maior.
Vale notar que, no romance, Vasco da Gama não chega a Calicute depois de dobrar o Cabo das Tormentas, como na história real – e simantes. Chega à Índia vindo do México, ou melhor, do Anáhuac, depois de ter sido vice-rei da Cabrália do Norte (América do Norte, para nós). A expedição de Bartolomeu Dias havia fracassado e os portugueses iniciam a colonização do Novo Mundo antes de chegarem ao Oceano Índico.
É depois de partirem da Índia que Vasco e Xochiquetzal dobram o Cabo das Tormentas pela primeira vez (no sentido contrário), dão a volta ao mundo e destroçam a armada espanhola que tenta arrebatar o Novo Mundo a Portugal. Em seguida são chamados a intervir em nome de Portugal na guerra civil que divide o império incaico após a morte de Huayna Cápac, apoiando Atahualpa contra o usurpador Huáscar.
Perfeita esposa, mãe e cronista, a princesa descreve em saboroso português quinhentista suas aventuras ao lado de Vasco da Gama nesse mundo no qual um Dom Manuel bem mais Venturoso reduziu a vassalos os imperadores inca e asteca e as “Três Cabrálias”, mas sem esmagar suas culturas e sociedades. O encadeamento dos acontecimentos pseudo-históricos e convincente a ponto de nos perguntarmos se esse caminho não teria sido mais lógico que o da história real. No mínimo, seria mais interessante.
Há quem considere a história alternativa um gênero totalmente à parte da ficção científica, pois muitos romances de história alternativa foram escritos por autores não relacionados a esse gênero – como Philip Roth em Complô Contra a América e Michael Chabon em Academia Judaica de Polícia – e até são publicados por editoras que têm preconceito explícito contra a ficção científica, como a brasileira Companhia das Letras.
Mas também se pode defender o contrário: a história alternativa não deixa de ser um gênero baseado na especulação ficcional sobre uma ciência, a história. E as mudanças nos caminhos da história frequentemente implicam desenvolvimentos sociais, científicos e tecnológicos alternativos, o que significa especular sobre ciências sociais e exatas como sempre fez a ficção científica. É o caso, por exemplo, de The Difference Machine, de William Gibson e Bruce Sterling, que supõe que Charles Babbage tivesse conseguido inventar o computador (mecânico) na era vitoriana e foi comentado em nossa coluna de agosto de 2008: Steampunk, saudade ou rebeldia?
Há escritores que trafegam muito bem entre outras formas de ficção científica e a história alternativa – o que não é de surpreender, já que em ambos os casos se trata de especulação racional, em oposição à pura fantasia ou terror, que se baseiam em outras lógicas. Além de Gibson e Sterling, que antes de se aventurar na história alternativa criaram o subgênero cyberpunk ao especular sobre o impacto da internet e da informática no futuro, um bom exemplo é Philip K. Dick, autor tanto dos contos que inspiraram sucessos de Hollywood comoBlade Runner, O Vingador do Futuro e Minority Report quando da história alternativa O Homem do Castelo Alto, no qual se especula sobre um mundo no qual o Eixo venceu a II Guerra Mundial.
Há escritores que trafegam muito bem entre outras formas de ficção científica e a história alternativa – o que não é de surpreender, já que em ambos os casos se trata de especulação racional, em oposição à pura fantasia ou terror, que se baseiam em outras lógicas. Além de Gibson e Sterling, que antes de se aventurar na história alternativa criaram o subgênero cyberpunk ao especular sobre o impacto da internet e da informática no futuro, um bom exemplo é Philip K. Dick, autor tanto dos contos que inspiraram sucessos de Hollywood comoBlade Runner, O Vingador do Futuro e Minority Report quando da história alternativa O Homem do Castelo Alto, no qual se especula sobre um mundo no qual o Eixo venceu a II Guerra Mundial.
Outro bom exemplo é o próprio Lodi-Ribeiro, que introduziu a história alternativa no Brasil com o conto A Ética da Traição, de 1992 (no qual o Paraguai vence a Guerra da Tríplice Aliança e acaba por se tornar uma superpotência) e continuou a cultivar o gênero com outras hipóteses surpreendentes – por exemplo, a sobrevivência do Quilombo dos Palmares até sua transformação em nação moderna, em uma série de contos e noveletas que incluem Pátrias de Chuteiras, A Traição de Palmares e O Vampiro de Nova Holanda. Mas antes já escrevia contos de ficção científica convencional e continua a produzi-los, como a recente coletânea Taikodom: Crônicas, baseada no universo futurista que criou para o jogo online Taikodom, da Hoplon.
Deve-se ressalvar que, se o autor já mostrou ser capaz de trafegar entre a ficção científica e a história alternativa com fluidez e competência, aparenta um pouco mais de dificuldade com transitar do conto para o romance. O romance recém-publicado é a continuação e desenvolvimento de um conto de 1999 intitulado Xochiquetzal e a Esquadra da Vingança, originalmente publicado sob o pseudônimo de Carla Cristina Pereira para tornar possível ao autor publicar mais de um conto na mesma antologia, Phantastica Brasiliana. Com algumas modificações, o conto original foi incorporado a este volume como prólogo.
Do conto de 1999 para o romance de 2009, a evolução é notável em termos de caracterização do mundo ficcional, dos acontecimentos pseudo-históricos e da linguagem, que procura reproduzir da maneira mais convincente possível (sem deixar de ser inteligível a um leitor do século XXI) o estilo dos cronistas do século XVI. Traz um mundo mais rico e complexo, no qual a cultura, história e costumes de astecas, incas e portugueses são mais e melhor exploradas.
Entretanto, os principais personagens não tiveram um desenvolvimento proporcional e ficaram aquém do que se espera de personagens de um romance. Ao longo de suas aventuras no Caribe e nos Andes, permanecem os mesmos do episódio inicial, repetindo os mesmos gestos, manias e bordões: conta-se vezes demais que Xochiquetzal gosta de vinho e chocolate e se preocupa com os filhos, que Vasco da Gama cofia a barba e brada ordens heroicas, que os bravos portugueses enfrentam os inimigos usando rapieira e misericórdia.
Não, não é que tivessem compaixão para com os vencidos: “misericórdia” era o apelido de uma grande adaga ou punhal que era usada na mão esquerda (junto com a espada na direita) e que servia tanto para aparar a arma do inimigo quanto para desferir-lhe o “golpe de misericórdia”. Vale notar, também que a “rapieira” é um dos raros anacronismos não intencionais da trama, de resto bem fundamentada nos usos da época: o nome e o modelo de espada surgiram gerações depois dos Descobrimentos, na França dos mosqueteiros. Para os portugueses do século XVI diziam apenas “espada”.
Uma caracterização que era adequada e suficiente para um conto referente a um dia na vida dos protagonistas, torna-se repetitiva, monótona e até caricatural quando é mantida ao longo de uma narrativa extensa e que acompanha a vida dos personagens durante vários anos. Um conto se estrutura em torno de um conflito simples, que sustenta por si só a narrativa: personagens apenas esboçados podem dar conta do recado. Mas num romance, espera-se que os protagonistas mostrem outras facetas, evoluam e revelem mais de si e de sua subjetividade. Salvo raras exceções, são os fios condutores da trama e devem ser interessantes por si mesmos.
Na ficção especulativa, é frequente que a profundidade do cenário e da especulação sejam mais importantes que a dos personagens, mas ainda assim pode-se e deve-se esperar, até para melhor expressar o espírito do mundo ficcional ao qual pertencem e do qual são a face mais visível, que eles se mostrem como seres vivos e complexos, não como ideais recortados de livros escolares. Nestes casos, o heroico navegador e a princesa indígena transformada em esposa dedicada (ainda que ligeiramente alcoólatra).
É uma pena, pois a ideia de uma filha de Montezuma nascida em Tenochtítlan (Tenochilitão, como dizem os portugueses do romance) e educada em Lisboa por clérigos portugueses é fascinante. Poderia ser uma fonte de conflitos e reflexões tão insólitas e interessantes quanto o do próprio mundo ficcional que se estende à sua volta. Mas isso apenas é sugerido: resta ao leitor imaginar como seria viver na pele de uma mulher com essa história de vida, pois ela quase nada nos diz sobre si própria.
Numa discussão sobre o filme Avatar na comunidade Ficção Científica no Orkut, o integrante Jorge Pereira definiu o filme com a seguinte frase: “Um filme em 3D, com personagens bidimensionais e uma história absolutamente linear”. Xochiquetzal, pode-se dizer, tem virtudes e defeitos semelhantes: um cenário complexo e interessante (com menos abuso de fantástico inexplicável e de efeitos especiais), mas os personagens são planos – e o fato de a trama ser mais longa e complexa e dispensar o maniqueísmo do filme de James Cameron torna isso ainda mais patente. No conjunto, é um bom livro, mas é de se desejar que, nos seus próximos romances, o autor considere mais a necessidade de fazer seus personagens crescerem proporcionalmente às suas narrativas e cenários.
>> CARTA CAPITAL – por Antonio Luiz M. C. Costa
>> CARTA CAPITAL – por Antonio Luiz M. C. Costa
Um comentário:
Um ótimo texto. Confiram o conteúdo!
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