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América Latina e as ditaduras militares: fatores históricos
Por Ludmila Franca (Instituto Norberto Bobbio)
As ditaduras militares ocorridas na América Latina durante os tempos da Guerra Fria decorreram de determinados elementos, referidos a um conjunto de postulações comuns, convencionalmente alcunhadas de “Doutrina da Segurança Nacional” (doravante apenas DSN). Sob essa escusa, as Forças Armadas engendraram e levaram a cabo um discurso político-econômico que expressava uma série de elementos homogêneos nos países da região, a despeito das diferenças de formas e estilos na implantação das DSN.
Assim, é possível estabelecer certos aspectos comuns que conformam a ideologia dessa doutrina, no caso brasileiro, a partir de 1964, assim como no Chile e Uruguai, em 1973 e ainda na Argentina de 1976. O aspecto que mais se destaca nessa ideologia é a construção da figura do inimigo público interno, que incutia nos sujeitos a necessidade ideológica de uma guerra interna constante e permanente contra a influência do comunismo internacional (o “perigo vermelho”), impondo, destarte, a adoção de um projeto de desenvolvimento com segurança, que colocava os militares como salvaguardas dos anseios nacionais no terreno das políticas sócio-econômicas, na medida em que entendia-se que estes compunham o único corpo social apto a transformar o caos instalado pelos subversivos em paz e estabilidade duradouras. Desse modo, o Estado se fortalece em sua pseudo-legalidade, exercendo o poder normativo da forma que lhe aprouvesse, legitimando meios – na maioria das vezes nada éticos nem tampouco humanitários – para identificar e eliminar qualquer organização que fosse entendida como ligada ao “perigo vermelho”.
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Além desses elementos ideológicos, temos o “bonapartismo”, a tendência burguesa de ascensão ao poder e de sua manutenção, que se insere aqui com um elemento social importante para a conformação do cenário político das décadas de 60 e 70 que culminaram nas ditaduras latino-americanas. A burguesia, entendendo-se incapaz de manter sua dominação sobre os trabalhadores em um sistema de governo democrático e republicano, alia-se às Forças Armadas. Com isso, vemos ser postas em prática formas de violência extrema, engendradas por meio do terrorismo de Estado aberto, para garantir a exploração excessiva do trabalhador e, assim, assegurar o fluxo do sistema capitalista.
As veias abertas da América Latina
São conhecidos de todos nós os principais problemas sociais do nosso continente: pobreza crônica da população, economia agrária, subdesenvolvimento, instabilidade social. Contudo, poucos tiveram realmente coragem de fazer um estudo comprometido com a verdade dos fatos, buscando compreender esses problemas de forma engajada. Nessa esteira, uma das principais obras foi escrita por Eduardo Galeano e chama-se As veias abertas da América Latina, onde temos um inventário dos 500 anos da história Latino-americana, cujos principais aspectos podemos resumir nos itens a seguir:
- economia agrícola e mineradora imposta e controlada pelo mercado internacional, com envio dos lucros para as potências dominadoras;
- demasiada pobreza e déficit social, resultados de um sistema econômico excludente, voltado para os interesses externos, que privilegia apenas a minoria financeiramente capaz de integrar-se aos padrões de consumo;
- governos opressores e centralizadores, com histórico de genocídios e caos social; e
- péssimas condições de sobrevivência e de trabalho, com super-exploração dos trabalhadores.
Segundo Galeano, a América Latina é uma peça fundamental para o enriquecimento das nações dominadoras, restando como conseqüência dessa lógica de exploração imperialista o subdesenvolvimento crônico do nosso continente e as intermináveis crises sociais que vivemos por nunca conseguirmos nos desvencilhar do status de colônia. “A riqueza das potências é a pobreza da América Latina”, diz Galeano.
A exploração, iniciada no século XV pelos portugueses e espanhóis e depois continuada pelos ingleses, permanece na nossa estrutura econômica e social até hoje; a América Latina, continente que nasceu para fornecer suas riquezas para a Europa, é repleta de exemplos da famosa tese de que uma região rica do passado é marcada pela pobreza no presente. Podemos citar dois: as minas de Potosí, na Bolívia, região que fornecia todo o ouro e prata que os espanhóis necessitavam e que, atualmente, é o distrito mais pobre da Bolívia, habitado somente por descendentes de índios; o Nordeste brasileiro, que teve seu apogeu com a produção de açúcar nos século XVI e XVII, entrando em estado de decadência e extrema miséria conhecidos de todos nós até hoje quando houve o declínio do açúcar em função da concorrência com a Holanda. Esse padrão se repetia em todas as colônias: quando as terras já não atendiam às demandas européias, eram abandonadas, deixando uma população historicamente explorada, pobre e sem perspectivas.
A intensificação da exploração agrícola e pecuária tem início a partir dos séculos XVIII e XIX, com o estabelecimento de um produto para cada país na escala comercial, criando engrenagens perfeitas para movimentar o sistema econômico internacional. Esse sistema, apesar de algumas mudanças no que tange ao conteúdo, permanece em suas formas, mantendo mecanismos idênticos em todos os casos. Como se tratam de mercadorias primárias, com baixos preços, os países produtores desses bens têm pouquíssimo lucro, tendo, por conseguinte, de produzir em escala cada vez maior e com métodos mais baratos para ter mais lucros sem elevar os preços, atendendo às necessidades dos compradores com um custo social incalculável para os trabalhadores, que são cada vez mais explorados. Durante a criação da Organização Mundial do Comércio, por exemplo, em 1994, era proposta dos países desenvolvidos que nem se considerasse a produção de bens primários na escala comercial, para que não houvesse limites normativos à exploração econômica por eles engendrada. Ainda hoje, os países produtores de bens primários enfrentam severas dificuldades para que suas demandas sejam levadas à OMC.
Tais processos de dominação sobrevivem aos dias atuais. No século XIX, os países vendiam a produção agrícola aos ingleses, substituídos, no século seguinte, pelos estadunidenses, uma vez que os EE. UU. Se afirmaram como potência dominante na área, que determina os rumos da economia e política locais em função dos seus interesses, intervindo nos processos políticos e sociais, inclusive, através da promoção de intervenções e golpes militares, instalando governantes de confiança para garantir seus interesses. Desse modo, as “guerrilhas” que caracterizam até hoje a região são uma resposta a essa dominação: por meio de grupos paramilitares, os indivíduos lutam contra governos corruptos que se mantém no poder para a defesa dos interesses estadunidenses, vitimando sempre a população, que se não é explorada até a morte nos latifúndios, perde a vida nas guerras civis.
Movimentos sociais e ditaduras na América Latina
Depois dos portugueses e espanhóis, o domínio britânico sucede ao ibérico no século XIX, promovendo seu desenvolvimento através da exploração das riquezas dos países latino-americanos e mantendo seu jugo através da violência e suplantando qualquer tentativa de independência por parte desses países. A Guerra do Paraguai, ocorrida nos anos de 1865 a 1870, é o maior exemplo dessa estrutura imperialista: Brasil e Argentina, sob influência britânica, promoveram um conflito bélico contra a nação guarani, que, à época, era a mais industrializada do continente, e que se afirmava como comercialmente independente. Essa guerra teve como resultado o maior genocídio da história latino-americana: 1,3 milhão de mortos (a população era de 1,8 milhão de pessoas). Ademais, por conta dessa guerra, deu-se o enfraquecimento do Paraguai, que até hoje não sofre a ingerência brasileira e argentina.
Com o declínio britânico no século XX, surgem os EUA como nova potência gestora da América Latina, continuando a exploração de séculos e séculos por meio do controle econômico e político do continente. O marco da intervenção norte-americana no nosso continente data de 1898, quando os EUA derrotaram a Espanha na batalha pela independência de Cuba. Após a vitória, os norte-americanos se apossaram dos direitos políticos e econômicos cubanos, mantendo-os até 1959, quando Fidel Castro e seus guerrilheiros realizaram a Revolução Cubana que destituiu o governo de Fulgencio Batista e proclamou a independência de Cuba em face dos EUA, cortando relações com este país.
Essas ingerências norte-americanas perduram, mas, após a Segunda Grande Guerra (1939-1945), com o início da Guerra Fria entre EUA e URSS, a região passa a sofrer diversos golpes militares, com instauração de ditaduras apoiadas pelos EUA, sob o pretexto de combate ao comunismo, prevalecendo-se da tendência, agora acentuada, dos países latino-americanos de excluir as massas de qualquer participação política (resquício do caudilhismo: forma de exercício do poder referida a um líder carismático representante dos interesses de uma aristocracia e de setores tradicionais da sociedade, como os militares). Assim, as elites agrárias e a então nascente burguesia industrial aliam-se ao capital estrangeiro estadunidense e ao american way of life, para se afirmar e consolidar no poder. Então, a política dos EUA, passa a promover e favorecer a permanência no poder de ditadores. Em Washington, na década de 50, dois fatores são vistos como precusores das ditaduras na América Latina: a criação do Colégio Interamericano de Defesa, cuja finalidade era a de coordenar as atividades das Forças Armadas continentais, e a criação na Zona do Canal do Panamá, da Escola do Exército Americano para as Américas (1961) com ambos com a finalidade de executar a política anticomunista. Em dez anos, a Escola das Américas, um centro formador de quadros para as ditaduras, diploma 33.147 oficiais latino-americanos, resultando, anos depois, nos sucessivos golpes que a América Latina sofreu nas décadas seguintes.
São exemplos disso a ditadura de Alfredo Stroessner (Paraguai), que se encontra asilado aqui no Brasil, restando impune de seus crimes, e os golpes militares na Argentina (1976), Chile (1973), Uruguai (1973) e Brasil (1964). Esses regimes prolongam-se até os anos 80, na qualidade de aliados na luta contra o comunismo.
O Golpe de 1964 – o caso brasileiro
Havia uma crise política que se arrastava desde a renúncia de Jânio Quadros em 1961. João Goulart, vice de Jânio, assumiu a Presidência (1961-1964), realizando um governo marcado pela abertura às organizações sociais, gerando insatisfação e preocupação nas classes conservadoras como, os empresários, banqueiros, Igreja Católica, militares e classe média. Todos temiam que o Brasil descambasse para o comunismo, pelo estilo populista e de esquerda de João Goulart, que chamou a atenção também dos EUA.
Os partidos de oposição, como a União Democrática Nacional (UDN) e o Partido Social Democrático (PSD), acusavam João Goulart de estar engendrando um golpe de esquerda, responsabilizando-o, ainda, pelas crises econômicas que o Brasil enfrentava. Em 13 de março de 1964, João Goulart realiza um grande comício na Central do Brasil (Rio de Janeiro), onde defende as Reformas de Base, prometendo mudanças radicais na estrutura agrária, econômica e educacional do país. Em resposta, em 19 de março, os conservadores organizam uma manifestação contra João Goulart, que ficou conhecida como a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, que reuniu milhares de pessoas pelas ruas do centro da cidade de São Paulo. Tal clima de crise política e as tensões sociais aumentavam, até que em 31 de março de 1964, tropas militares de Minas Gerais e São Paulo saem às ruas. Temeroso de uma guerra civil, João Goulart refugia-se no Uruguai, permitindo assim aos militares a tomada do poder. Em 9 de abril de 1964 é decretado o Ato Institucional 1 (AI-1), que promove a cassação dos mandatos políticos de opositores ao regime militar e tira a estabilidade de funcionários públicos. Está instalada a ditadura militar no Brasil.
Um comentário:
Os estudantes do 9º ano da tarde estão impressionados com o que viram nos filmes: Las madres da plaza de mayo e O que é isso companheiro.
Tem muitos assuntos e pouco tempo.
Vamos que vamos!
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